Resistência, luta e conquista: o caminho para aprovação do Novo Fundeb


Com risco de inestimáveis perdas no campo da educação brasileira diante de ameaças do atual governo, este texto relata o caminho trilhado para aprovação no Novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).

No dia 25 de agosto de 2020 foi aprovado o Novo Fundeb, tornando-o uma política permanente do Estado brasileiro. Com votação unânime favorável dos senadores, no primeiro e no segundo turno de votações, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 26/2020 já havia também passado por quase unanimidade na Câmara dos Deputados, onde era PEC 15/2015.

O Fundeb foi criado pela Emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nº 11.494/2007 e pelo Decreto nº 6.253/2007, de forma temporária, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) que vigorou de 1998 a 2006. O Fundeb expirava no final deste ano, 2020. É um fundo de natureza contábil e de âmbito estadual formado majoritariamente por recursos provenientes dos impostos e transferências dos municípios, estados e Distrito Federal. A União complementava os fundos estaduais com um aporte de 10% do valor total dos fundos. Em outras palavras, é um mecanismo de redistribuição de recursos destinados à Educação Básica (creche, pré-escola, ensino fundamental e médio, educação de jovens e adultos), tendo como principais objetivos o fortalecimento da equidade no financiamento da educação brasileira e a garantia da valorização dos profissionais da educação.

A nova proposta, batizada de “Novo Fundeb”, foi alvo de profundos debates, eventos e audiências públicas, tendo grande participação da sociedade civil em sua elaboração, com atuação vigorosa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Dentre as principais alterações, o Novo Fundeb garante que a complementação da União crescerá de 10% para 23% até 2026, com um aumento de 2 pontos percentuais já previstos para o ano que vem. Essa complementação adicional irá para as redes de ensino mais pobres, independentemente do estado de origem, tornando o fundo mais redistributivo. A proposta aprovada também constitucionaliza o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) e Custo Aluno-Qualidade (CAQ), que antes era apenas previsto no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14).

Quando o projeto ainda estava na Câmara dos Deputados, o governo trabalhou pelo adiamento da medida e voltou atrás apenas, quando a derrota se tornou inevitável. Por estar fora da regra que, desde 2016, impede o crescimento de gastos acima da inflação (conhecido como “Teto de Gastos”), o ministro da Economia Paulo Guedes fez pressão para que a PEC fosse alterada. Guedes, contrário à complementação de 20%, tentou acordar que metade da complementação da União fosse destinado a um benefício voltado a crianças no Renda Brasil, programa desenhado para substituir o Bolsa Família.
O Jornal Folha de São Paulo (2020) destaca, entretanto, que a ideia do governo vai na contramão do dispositivo constitucional transitório que estabeleceu o Fundeb e que só permite a aplicação dos recursos do fundo na manutenção do ensino e na remuneração de professores, já que o Renda Brasil seria um benefício de assistência social. Segundo o jornal Correio Braziliense (2020), o líder informal do governo na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos expoentes do Centrão, apresentou pelo menos cinco requerimentos de obstrução para tentar adiar a votação.

De acordo com o jornal Valor Econômico (2020), após a aprovação na Câmara dos Deputados e o grande apoio popular à proposta, a nova aprovação no Senado era dada como certa, mas desta vez o governo quis passar a imagem de que estava à frente do novo Fundeb. Para isso, foi fundamental jogar a votação para mais tarde, distanciando-se do revés na Câmara. Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição, a agora Emenda Constitucional 108, foi promulgada em sessão solene realizada no Plenário do Senado e não precisou ser assinada pelo presidente da República.

(Texto elaborado por Carolina Terra, da equipe de Pesquisa e de Assessoria de Comunicação do CIESPI, em convênio com a PUC-Rio)


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